27.12.04

"Fala-se geralmente dos poetas como de pessoas em quem não se pode depositar muita confiança, sob o ponto-de-vista psicológico, mas os fatos e a história contradizem completamente esse preconceito. Muitos dos poetas verdadeiramente grandes foram, não somente equilibrados, mas também dotados de senso prático; e, se Shakespeare foi realmente guardador de cavalos, é de crer que o julgaram um dos homens capazes disso. A imaginação não gera a insanidade; o que gera a insanidade é exatamente a razão. Os poetas não enlouquecem, mas os jogadores de xadrez, esses, sim, enlouquecem. Os matemáticos e os contadores muitas vezes ficam doidos; os artistas criadores muito raramente. Não pretendo, como se verá adiante, atacar a lógica: quero apenas frisar que é aí, na lógica, e não na imaginação, que está o perigo. A paternidade artística é tão salutar como a paternidade física. Deve-se notar, além disso, que os poetas realmente mórbidos foram os que tiveram algum ponto fraco de racionalismo. Poe, por exemplo, era de fato um mórbido; não por ser poeta, mas por ser excessivamente analítico. O próprio jogo de xadrez era poético demais para ele; desgostava-se por estar cheio de torres e peões, como um poema. Confessadamente, ele preferia o jogo de damas que melhor lhe sugeria a idéia de um diagrama com pontos pretos.

Homero é completo e bastante calmo: são os seus críticos que o dilaceram em muitas extravagantes criaturas. Shakespeare era bem ele mesmo: foram seus críticos que descobriram que ele era somebody else. E São João Evangelista, embora tenha visto muitos monstros estranhos, nunca chegou a ver criatura tão medonha como um de seus comentadores. O fato geral é simples. A poesia é sã porque flutua à vontade num mar infinito; a razão, porém, procura atravessar o mar infinito, tornando-o finito. O resultado disso é um esgotamento mental, como o esgotamento físico de Mr. Holbein. Aceitar todas as coisas é um exercício, mas compreender todas as coisas é um frenesi. O poeta procura apenas a exaltação e a expansão, isto é, procura um mundo onde se possa distender. Pretende ele, simplesmente, enfiar a cabeça nos céus, ao passo que o lógico se esforça por enfiar os céus na cabeça. E é a cabeça que estala."

Chesterton
Isso é muito, muito real. Vejo acontecer em mim mesmo. A física me enlouquece, a literatura e a religião poetisada me tornam humano.